Com a pandemia, a Habitat Saudável viu o negócio florescer. Em entrevista, os mentores do gabinete explicam o que está em causa.
Com formações académicas e experiências profissionais diferentes, Marcelina Guimarães (arquiteta) e Miguel Fernandes (geobiólogo e especialista em saúde geoambiental) são o casal que lidera a Habitat Saudável, gabinete que recorre à arquitetura integrativa para projetar edifícios que privilegiam os materiais e os recursos que a natureza nos oferece.
Como os próprios contam, em entrevista ao idealista/news, a Habitat Saudável “mais do que uma empresa é uma filosofia de vida”, detalhando que o projeto resultou da vivência familiar, depois de, em tempos, terem procurado determinados critérios para a sua própria habitação e não terem encontrado. Decidiram unir competências e ‘colocar pés ao caminho’ e hoje prestam serviços “desde a decoração de um quarto de criança, até à construção de um edifício de raiz seja habitacional, empresarial ou outro, passando por reabilitação, design de interiores ou um simples serviço de consultoria em saúde geoambiental, qualidade do ar interior e/ou feng shui design consulting, por exemplo”.
Com a pandemia da Covid-19 viram o negócio florescer, devido à preocupação crescente com a saúde e ao tempo que se passa em casa. Os mentores do gabinete, que nasceu em 2014, esclarecem sobre o que caracteriza um projeto de arquitetura sustentável e deixam um aviso “ainda existe muita contrainformação, as pessoas devem estar atentas e informadas porque nem tudo o que se diz sustentável e/ou saudável, de facto o é”.
O que caracteriza um projeto de arquitetura sustentável?
Muito resumidamente, um projeto de arquitetura sustentável e ecológico tem como objetivo primordial a otimização dos recursos naturais e respetivos sistemas e técnicas construtivas, de forma a que o edificado tenha o menor impacto ambiental sobre o meio ambiente e os seus habitantes.
Para tal, os fatores chave a ter em conta são, por exemplo, a integração e adaptação do edifício a construir à paisagem onde se insere, com o objetivo de provocar o menor impacto ambiental possível; a adaptação do projeto às condições climáticas do local, com a implementação de um desenho bioclimático (orientação solar adequada, aproveitamento passivo dos recursos naturais, utilização adequada de elementos arquitetónicos com vista à eficiência energética, etc.); a utilização de matérias-primas locais; a utilização de sistemas/técnicas construtivas e materiais de construção saudáveis e ecológicos; o correto aproveitamento dos recursos naturais disponíveis no local, bem como das energias renováveis com vista ao alcance de uma autonomia energética contribuindo dessa forma para a diminuição do impacto ambiental; uso racional dos recursos hídricos e energéticos; a implementação de sistemas de reciclagem e gestão adequada de resíduos e águas (diretamente relacionado com o ponto anterior).
O projeto dever ser, igualmente, desenvolvido para que a ‘construção’ seja duradora e que a mesma possa ser desmontada com o menor impacto ambiental possível (no final do seu ciclo de vida), com o consequente reaproveitamento e reciclagem dos seus resíduos.
Para a Habitat Saudável, mais que sustentável, um projeto deve ser saudável. Note-se que estes dois conceitos muitas vezes não andam de mãos dadas e deve haver um compromisso entre ambos.
Podemos considerar que um projeto sustentável é, simultaneamente, saudável?
Para nós, não chega um projeto ser sustentável. Para a Habitat Saudável, mais que sustentável, um projeto deve ser saudável. Note-se que estes dois conceitos muitas vezes não andam de mãos dadas e deve haver um compromisso entre ambos. Só assim garantimos o futuro das próximas gerações. E para tal é essencial uma correta escolha, do local a edificar, mediante a escolha de locais livres de contaminação geoambiental. Só desta forma conseguiremos projetar edifícios sustentáveis, ecológicos, mas saudáveis. O nosso foco é a criação de espaços saudáveis.
De que forma a arquitetura pode contribuir para termos casas e edifícios que sejam mais amigos do ambiente e contribuam para a promoção da saúde?
Integrando ao projeto de arquitetura um conjunto de técnicas e princípios que contribuam para a promoção, precisamente, dessas duas dimensões no edificado – a sustentabilidade e a salubridade. Para tal temos em conta nos projetos a integração de princípios de arquitetura bioclimática e de arquitetura sinestésica. Projetos de especialidades de engenharia, biocompatíveis, ou seja, compatíveis com a vida humana (p.e projetos de hidráulica e elétrico/ITED).
Temos de obedecer aos princípios de saúde geoambiental, que podemos enquadrar em três grandes grupos de análise, que são os tóxicos ambientais, as radiações artificiais e as radiações naturais.
Assim, no caso do primeiro grupo, os tóxicos ambientais, temos de considerar que um habitat saudável deve estar isento de compostos orgânicos voláteis (benzeno, formaldeído, ETC.), material particulado (PM2,5 | PM5), gases tóxicos (ozono, dióxido de nitrogénio, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e dióxido de carbono).
No caso das radiações artificiais, considero que um imóvel deve ter uma ligação à terra do edifício eficiente, com baixos valores de harmónicos na instalação elétrica, com exposição a ondas eletromagnéticas, campos elétricos e magnéticos alternos de baixa frequência controlados, em especial nos espaços de longa permanência.
No caso das radiações naturais, os espaços devem ser projetados em consonância com os fatores de geofísica externa (campo magnético e radiação terrestre), radioatividade ambiental e gás radão.
Um habitat saudável deve ter em atenção a cor utilizada, a orientação solar/luz, o design biofílico, a proporção dos espaços e as técnicas de design biofílico. As emoções que os espaços proporcionam às pessoas não devem ser descuradas.
Devemos ter em conta outros aspetos como os métodos construtivos e materiais de construção e/ou decoração saudáveis e eco sustentáveis sempre ajustados ao ‘budget’ do cliente; a reciclagem e gestão adequada de resíduos e águas sempre articulados com as especialidades de engenharia associadas; técnicas de psicologia do ambiente – de facto as emoções que os espaços proporcionam às pessoas também não devem ser descuradas. Um habitat saudável deve ter em atenção a cor utilizada, a orientação solar/luz, o design biofílico, a proporção dos espaços e as técnicas de design biofílico.
O que levou o vosso gabinete a apostar em projetos com estas características?
A Habitat Saudável mais do que uma empresa é uma filosofia de vida. É uma empresa familiar gerida por um casal que, em tempos, procurou determinados critérios para a sua própria habitação e não encontrou! Esse casal somos nós, eu e o Miguel. Com formações académicas e experiências profissionais diferentes, decidimos unir competências e ‘por pés ao caminho’.
Neste momento temos uma pequena equipa multidisciplinar, o que é uma grande mais valia, mas todos com o mesmo foco – criar espaços saudáveis e sustentáveis. Refiro-me a ‘espaços’ de uma forma geral, porque realizamos desde a decoração de um quarto de criança até à construção de um edifício de raiz seja habitacional, empresarial ou outro, passando por reabilitação, design de interiores ou um simples serviço de consultoria em saúde geoambiental, qualidade do ar interior e/ou feng shui design consulting, por exemplo. Temos uma panóplia de serviços disponíveis para todos os gostos, necessidades e ‘carteiras’, desde que se preocupem com o meio ambiente e a saúde, nós podemos ajudar.
Sente que, neste momento, há maiores preocupações por parte do mercado em relação a projetos com estas características?
Sem dúvida que sim. É um nicho em rápido crescimento e acho que a pandemia trouxe-nos uma reflexão há muito necessária. Que futuro queremos deixar aos nossos filhos!? Esta é a pergunta que ‘não quer calar’ em 2021!
Mas ainda existe muita contrainformação, as pessoas devem estar atentas e informadas porque nem tudo o que se diz sustentável e/ou saudável, de facto o é.
O que é necessário fazer para alterarmos o paradigma e a posta passe apenas por projetos sustentáveis?
Acho que a trilogia perfeita seria: informar, sensibilizar e legislar.
Sentiram um aumento nas encomendas de projetos?
Sim, sem dúvida.
Que projetos a Habitat Saudável projetou nos últimos tempos?
Destaco algumas obras como a Casa de Labruge, em Vila do Conde, em painéis de madeira CLT – ‘Cross Laminated Timber’. Os painéis são fabricados ‘off-site’ e rapidamente montados e aparafusados sobre fundação de betão armado.
A Casa de Ortigosa, Leiria, em blocos de betão celular autoclavado e rodeada de pérgulas em madeira com plantas de folha caduca que protegem os grandes envidraçados a sul.
A Casa Fibonacci, Castro Daire, em painéis de palha prensada dentro de uma estrutura em madeira de pinho nórdico tratado, esta obra é 100% ecológica e natural.
A Casa do Pórtico em Almada que apesar de ter um método construtivo mais tradicional, em alvenaria, tem um isolamento térmico/acústico em aglomerado de cortiça, com tintas e acabamentos naturais.